Metodologias de EAD na formação de Recursos Humanos: Experiências e Perspectivas de duas instituições de Moçambique (A Politécnica e o IFBM) *
por: Andrea Serra ** e Aurélio Rocha ***
Contextualização
Desde 1830 que a educação a distância (EAD) se tem expandido pelo mundo como uma modalidade de ensino que garante o acesso ao conhecimento e oportunidades de aprendizagem ao longo da vida. A sua eficácia está, hoje, inegavelmente comprovada, reconhecida pela sua qualidade e inovações metodológicas e considerada como a educação do futuro, da sociedade mediatizada pelos processos informativos.
Em Moçambique, as primeiras experiências de EAD iniciaram-se na década de 80, no âmbito da formação de professores em todo o país, adoptando, como metodologias, o uso do material impresso e sessões de tutoria presencial. Na década de 90, outras instituições foram também testando esta modalidade, como forma de contribuir para a formação de recursos humanos no país, como é o caso do IFBM. Mas somente em 2001, no âmbito da Estratégia Nacional de Educação, o governo de Moçambique desenhou as directrizes e estratégia da EAD para o país, iniciando um conjunto de actividades e projectos rumo à expansão desta modalidade, por forma a que, através da mesma, o país pudesse responder à enorme procura por formação e educação.
No âmbito desta estratégia, entre 2003 e 2004, foram formados os primeiros 40 especialistas em gestão de sistemas de EAD provenientes de todas as províncias do país, três deles quadros da Universidade Politécnica, que estão agora a operacionalizar vários programas de Ensino e Formação, através desta modalidade nas suas instituições.
A criação do Instituto Nacional de Educação a Distância (INED) de Moçambique, em 2006, foi um sinal claro do compromisso e desafios que o país tem pela frente, relativamente à implementação de sistemas de EAD, que atendam às necessidades de desenvolvimento do capital humano, num contexto de globalização, competitividade, mudanças tecnológicas e conhecimento, como principal fonte de desenvolvimento.
A EAD no IFBM (Formação Profissional)
O IFBM foi criado em 1993 e iniciou a sua actividade com cursos de formação à distância, nomeadamente, o Curso de Formação Técnica Bancária (CFTB), em parceria com o IFB de Portugal, que tinha a finalidade de formar e preparar quadros médios para o Sistema Financeiro. Esta formação seguiu, inicialmente, a metodologia tradicional em que o processo de ensino e aprendizagem ocorria através do estudo individual de material didáctico impresso e encontros presenciais com os monitores de formação. Hoje, através de outras parcerias, o IFBM desenvolve esta formação, já recorrendo às novas tecnologias de informação e comunicação – o e-learning, oferecendo cursos profissionalizantes de curta duração a quadros provenientes da rede de instituições do sector bancário e financeiro e de outras empresas do país. Não se tratou de importar modelos, como acontece em muitos países, resultanto, por vezes, no fracasso dos sistemas de EAD, mas sim de absorver das experiências aquilo que nelas é universal, elaborando, simultaneamente, uma proposta pedagógica ajustada à realidade de formação técnica e profissional existente. Esta formação que tem sido levada a todo o país, através da EAD, abriu excelentes perspectivas para o sucesso da formação bancária, contribuindo para que estes profissionais estejam hoje melhor preparados para enfrentar os desafios que são colocados à banca moçambicana, caracterizados por uma concorrência acirrada, que se manifesta, aliás, não só, dentro deste sector, mas também, num contexto mais vasto da economia moçambicana.
Apesar do sucesso na implementação do seu modelo de EAD, utilizando as metodologias de última geração desta modalidade de ensino, o IFBM reconhece que uma tecnologia, por mais sofisticada, só por si, não pode resolver os problemas da formação. Sendo a formação um processo complexo, as tecnologias devem, pois, ser integradas num dispositivo que contempla necessidades, disponibilidade real, apetência e competências já adquiridas dos destinatários da formação.
A EAD na Universidade Politécnica (Ensino Superior)
A Universidade Politécnica, primeira instituição privada de Ensino Superior no país, já com 13 anos de experiência na oferta de formação a nível de Licenciatura, Mestrado e Doutoramento, criou em 2004, a Escola Superior Aberta (ESA), unidade orgânica que tem a missão de montar o sistema de EAD da Universidade. E porque a implementação de qualquer sistema de EAD é de grande complexidade, num contexto em que não existem profissionais e técnicos preparados para desenhar materiais didácticos, projectos pedagógicos e metodologias de EAD, a ESA dedicou os seus dois primeiros anos de existência a formar pessoal interno da Universidade nas diversas áreas de intervenção de sistemas de EAD. Ao mesmo tempo, a ESA foi, ao longo destes anos, acumulando experiência na gestão de projectos de extensão que consistiam em cursos superiores e cursos de formação profissional em regime modular, oferecidos, maioritariamente, fora de Maputo, em zonas geográficas de difícil acesso a infraestruturas educacionais e para públicos especificos.
Esta experiência, que possibilitou formar cerca de 800 profissionais do sector público e privado, cobrindo 7 províncias do país, implicou a calendarização e planeamento minucioso e antecipado do processo de ensino e aprendizagem, a deslocação de muitos docentes e formadores pelo país, o estabelecimento de parcerias com instituições locais, para a criação de condições e infraestruturas apropriadas, nos casos em que a Universidade não tinha as suas próprias infraestruturas, a formação de pessoal local para o acompanhamento dos cursos e dos estudantes, a preparação de materiais didácticos em formato impresso e a gestão de um sistema adequado de distribuição dos mesmos, processos estes que são também usados na gestão de sistemas de EAD.
Em 2006, a ESA teve o seu primeiro grande desafio: conceber um Curso de Capacitação a Distância para preparar os estudantes para o Ensino Superior, projecto piloto que se insere na estratégia nacional de EAD sob monitoria do INED. O projecto que durou dois anos para ser concluído, envolveu desde a realização do estudo de necessidades do público-alvo, a concepção do currículo do Curso, a formação de elaboradores de material auto-instrucional, o desenvolvimento de material auto-instrucional para o curso (conteúdos, maquetização, ilustração, revisão, edição e impressão) até ao desenho da estratégia de implementação do Curso.
Os resultados desta experiência possibilitaram trazer novas competências à equipa da ESA que, no presente ano, iniciou a preparação de duas licenciaturas na modalidade de EAD, a serem oferecidas, pela primeira vez, por esta Universidade e no país, já no início do ano de 2009. A ESA irá, numa fase piloto da implementação dos cursos, fazer a gestão, a partir do pólo principal, em Maputo e, gradualmente, a Escola irá colocar em funcionamento outros pólos de EAD, nomeadamente, em Quelimane e Nampula, onde a Universidade já possui infraestruturas próprias.
O processo de ensino e aprendizagem será orientado por meio de material impresso (guias de estudo por disciplina) para o estudo individual dos estudantes, através de encontros presenciais, sob a forma de seminários de integração, orientados por tutores especialistas, oficinas de aprendizagem, orientadas por um tutor geral e equipa de coordenação pedagógica da ESA. Para além destes momentos, os estudantes poderão comunicar com os tutores especialistas via telefone e/ou e-mail e, ainda, presencialmente, em horários previamente calendarizados de permanência semanal dos tutores nos pólos, especificamente para este atendimento.
Os estudantes serão acompanhados e avaliados em diferentes situações de aprendizagem, nomeadamente: nos seus estudos individuais, através de actividades de avaliação à distância, distribuídas em cadernos que acompanham os guias de estudo de cada disciplina; durante os Seminários de Integração e Oficinas de Apoio à Aprendizagem e em avaliações presenciais individuais. Como parte do processo de garantia de qualidade, os tutores e desenhadores de materiais constituem uma peça fundamental, pelo que a ESA, ao iniciar. no primeiro semestre deste ano, o processo de recrutamento de profissionais, para actuarem nestes cursos, definiou como um dos critérios de selecção, a disponibilidade dos profissionais candidatos para receberem formação em sistemas de EAD. Como resultado deste processo de recrutamento, a ESA formou 70 profissionais em matérias de tutoria, desenvolvimento de materiais de EAD e gestão de sistemas de EAD, criando, assim, uma base de dados de profissionais de diferentes áreas científicas, que será actualizada continuamente, às quais a Escola poderá recorrer para efeitos de admissão destes profissionais, para actuarem nos seus cursos.
O lançamento oficial e abertura das inscrições destes programas serão realizados em breve e as perspectivas são promissoras, quando se reconhece que nenhum modelo de EAD poderá ser perfeito mas que a experiência no decorrer da sua implementação trará lições importantes, para que o mesmo seja ajustado e melhorado continuamente, sempre na perspectiva de ir ao encontro das necessidades dos públicos-alvo, oferecendo uma formação superior de qualidade.
Considerações Finais
As experiências e perspectivas da EAD em Moçambique, ainda que embrionárias, devem ser encaradas como uma estratégia positiva na contribuição para a formação e educação dos recursos humanos do país. No entanto, muitos são os desafios que o país tem diante da implementação desta modalidade de ensino, nomeadamente: 1) a inexistência de dispositivos legais que regulem a prática desta modalidade; 2) o reduzido número de profissionais e técnicos com competências específicas em EAD de que o país dispõe; 3) a credibilidade da EAD, pelo facto de ainda estarem muito presentes os valores culturais do modelo tradicional presencial, em grande parte das instituições provedoras, particularmente de Ensino Superior; 4) o forte investimento financeiro inicial que exige a implementação de sistemas de EAD; 5) as fracas habilidades de auto-estudo, autonomia e leitura e extrema dependência do professor, que caracteriza a maioria dos estudantes no país; e 6) o acesso extremamente limitado às Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), os seus elevados custos, as fracas competências no seu uso e até a inexistência de uma “cultura de tecnologia”, pela grande maioria da população.
É, contudo, importante reforçar que, no entender do IFBM e da Universidade Politécnica, o uso da tecnologia não implica qualidade da EAD. A experiência do e-learnig do IFBM tem-se revelado positiva, na medida que atende às necessidades e condições do público-alvo, lembrando que a rede de instituições bancárias possui, actualmente, dos sistemas informáticos mais sofisticados do país.
Já o público alvo que a Universidade Politécnica pretende alcançar com os seus programas tem condições bem diferentes e o modelo desenhado permite, mesmo sem o recurso à tecnologia, proporcionar oportunidades de aprendizagem construtivas, sem, no entanto, perder a qualidade.
Considerando, pois, que em Moçambique, coexistem pobreza e riqueza, atraso e desenvolvimento, alto nível de sofisticação tecnológica concentrada em poucas instituições e zonas geográficas do país, ausência de atendimento às necessidades básicas em todos os sectores, um cenário educacional com muitas fragilidades, e, se pensarmos nas dimensões do país, na quantidade de pessoas para serem formadas, na infraestrutura física disponível, facilmente chegamos à conclusão de que a EAD não é apenas uma alternativa, mas uma solução bastante viável para o país. Não devemos, pois, achar sequer que a EAD é uma possibilidade, mas sim assumir como um dever, uma obrigação do país, para elevar os níveis de educação dos seus recursos humanos, pois só com pessoas qualificadas o país poderá sair da pobreza extrema e avançar para outros níveis de desenvolvimento económico, social e cultural.
* Comunicação apresentada no 1º Simpósio de Educação a Distância dos Países de Língua Oficial Portuguesa, Universidade Aberta de Lisboa,. Lisboa, 30 a 31 de Outubro, 2008.
** Directora da Escola Superior Aberta (ESA) da Universidade Politécnica em Moçambique, Mestre em Gestão de Recursos Humanos, Professora Universitária, Membro do Conselho de Administração do INED. E-mail:
andrea_folgado@yahoo.com.br *** Director-Geral do Instituto de Formação Bancária de Moçambique (IFBM), Mestre em Economia e Sociologia Histórica pela Universidade Nova de Lisboa, Professor Auxiliar da Universidade Eduardo Mondlane, Membro do Conselho de Administração do INED. E-mail:
arocha@ifbm.org.mz