segunda-feira, setembro 29, 2008

Reflectir Zimbabwe

“REFLECTIR ZIMBABWE” foi apresentado numa conferência internacional promovida pela TEIA (Fórum Nacional das Organizações não Governamentais Moçambicanas), decorrida em Maputo, de 22 a 24 de Setembro de 2008.

por: Prof. Lourenço Rosário

Tem ocorrido ultimamente, quer na comunicação social, quer em conversas informais, que os impasses que ocorreram, após os pleitos eleitorais, no Quénia e no Zimbabwe, estão a introduzir soluções de todo desaconselháveis para o panorama político africano. Dizem os críticos que a solução de partilha do poder entre aquele que estava no poder e que com mais ou menos evidência perdeu, mas que não aceitou sair, usando de artimanhas, consegue chamar a lei para o seu lado, face a uma oposição que ganha legitimidade através do número de votos conquistados, tudo isso está a introduzir em África uma gestão democrática sui generis, de tal forma que perigosamente se está a legitimar a continuação de governantes desgastados e partidos politicos históricos sim, mas completamente desacreditados . Dizem ainda os críticos que a continuar assim, nova era de ditaduras vai instalar-se e que tal cenário faz lembrar uma situação de golpe de estado palaciano, que se seguiu à praga de golpes de Estado militares nas primeiras décadas das independências africanas, bem como aquela outra praga de guerras civis.

Não é esta a minha visão. A semelhança das soluções entre o Quénia e o Zimbabwe é apenas na forma, visto que na essência, os protoganistas da crise política no Quénia foram actores dentro do sistema que ajudaram a construir e agudizar as contradições que herdaram dos britânicos Ondinga e Kibaki: foram convergentes até certo ponto , tendo se desavindo num determinado momento, capitalizando, Ondinga, a vontade daqueles que se consideravam excluídos. No Zimbabwe, a crise vem detrás. O pleito eleitoral terá sido o rastilho que se queria para fazer explodir o que há muito vinha sendo incubado. Do ponto de vista simbólico, no Quénia , Ondinga e Kibaki foram protagonistas activos que, como dois irmãos que se desentendem mum certo nomento, foram ao encontro de uma situação de exclusão historicamente conhecida para uma conflitualidade latente. O relatório do Mecanismo Africano de Revisão de Pares, apresentado pelo Quénia junto da UA em 2004, fazia referência aos riscos que poderiam levar a conflitos naquele País. Muitos dirigentes e académicos quenianos tentaram prevenir aquilo que parecia eminente, a violência. Do meu ponto de vista, o caso do Quénia é efectivamente uma crise pós-eleitoral porque frustou a expectativa de mudança de milhões de quenianos que se sentiam historicamente excluídos no que toca à distribuição da riqueza e de privilégios de que o País dispunha. Contrariamente, no Zimbabwe, a crise não é pós-eleitoral e nem as causas profundas da crise resultam da luta política dos protagonistas. Morgan Tsivangirai não tem um passado de protagonismo político perante Mugabe quanto Ondinga tinha perante Kibaki. Até porque os processos eleitorais no Zimbawe aconteceram sempre em ambiente de conflito, desde que este País passou a adoptar o sistema eleitoral para legitimar os seus dirigentes. A eleição de Abel Muzorewa para Primeiro Ministro da Rodésia-Zimbabwe, acto organizado por Ian Smith, ocorrido na segunda metade da década de 70, foi realizado em plena Guerra de libertação, por isso em ambiente de violência. Mas a assinatura do acordo de Lencaster House que abriu as portas para a independência do País, não eliminou a violência nos actos eleitorais que aconteceram desde a primeira eleição no Zimbabwe, independente em 1980. Perante este persistente ciclo de violência, necessário se torna ir buscar as causas do conflito para além dos momentos eleitorais.

Assim, tenho para mim, que compulsadas todas as eventuais questões que poderiam constituir os factores da crise na história do Zimbabwe, em primeiro lugar eu colocaria a questão da terra. Na altura da independência, 5.000 grandes propriedades agrícolas ocupavam uma área de 15,5 milhões de hectares, sendo que todas essas propriedades estavam em poder de brancos. Este processo foi implantado neste País com a fixação dos colonos. A ocupação das melhores terras por colonos brancos consolidou-se com o beneplácito da British South Africa Company, de Cecil Rhodes, na Mashonalândia e até à promulgação da Land Aportionment Act, na década de 20 do século passado, o governo colonial expulsou os camponeses negros para zonas em que a terra era menos fértil, numa proporção em média de 20 ha para 3.000 ha entre negros e brancos.

A questão da terra foi um dos pontos controversos nas conversações de Lencaster House. A ZANU e a ZAPU tinham transmitido às populações, durante a Guerra de Libertação, que a razão de base da luta era libertar a terra e devolvê-la ao povo negro. Assim, considerando que à mesa das conversações as duas questões fundamentais em agenda eram, primeiro, como parar a Guerra, e em segundo, como resolver a questão da terra, está visto que a forma de parar a Guerra teve um desfecho rápido porque a todos interessava pará-la. Mas a questão da terra não só se arrastou nas próprias conversações, como também se arrastou ao longo do tempo, tendo sido gerida de uma forma catastrófica, quer por parte da Grã-Bretanha como também por parte do governo de Robert Mugabe. De Lencaster House veio um compromisso de que a reforma agrária no Zimbabwe seria feita através da compra de terra aos brancos para ser redistribuída pelos negros. E o dinheiro também para esta operação seria disponibilizado pelos britânicos. Estes mostraram-se furtivos desde o início. Por outro lado, a Commercial Farms Union, corporação dos farmeiros brancos, havia aconselhado os seus associados a não venderem as suas terras ao governo. Assim, Robert Mugabe ficou refém do processo e da sua inevitável morosidade. De 1980 a 1989, por exemplo, o programa de reforma da terra havia redistribuído dois milhoes de hectares a apenas 52.000 famílias das 162.000 previstas. E no início da década de 2000, 4.500 farmeiros brancos dominavam ainda as propriedades agrícolas, bem como outros sectores chave como o turismo, a exploração florestal, a gro-indústria e as exportações. Presumo que será neste contexto que devemos enquadrar a questão da terra como um factor latente e de permanente conflitualidade no Zimbabwe. Quando em 2000 Robert Mugabe lança a campanha de ocupação coerciva das terras, não foi mais do que tornar visíveis os contornos de um conflito que tinha raízes históricas e que explodia numa fase difícil para a história do próprio País. As sanções impostas pelas potências ocidentais serviram de combustível para incendiar ainda mais o País e tornar os seus dirigentes cada vez mais radicais. Em segundo lugar , consideremos que também constitui factor de conflitualidade as sequelas que emergiram do processo que vai do fim da Luta de Libertação à montagem da estrutura governativa, adoptando o modelo democrático ocidental. A equipa de Robert Mugabe vai ocupar um espaço deixado por Ian Smith que governou a Rodésia com padrões autoritários e belicistas. A eclosão da Guerra civil, logo após a independência, põe a nu a tendência belicista e hegemónica das estruturas da ZANU-PF. São evidências claras, a morte de mais de duas dezenas de milhares de zimbabweanos na Matabelelândia e a absorção da ZAPU pela ZANU. Não faltou quem, após este desfecho , não clamasse pela adopção de um regime de partido único, para melhor desenvolver o País. Em terceiro lugar, considero como sendo um grande factor de conflitualidade,a congregação de vários acontecimentos, entre os quais a recessão económica que se iniciou na década de 90 e se acentuou nos finais da mesma e que se transforma em quase colapso nos anos 2000, trazendo como consequência o desemprego generalizado, a extrema escassez de bens alimentares, a debilitação no consumo de energia na indústria, nos serviços e na vida doméstica, a deterioração do clima macroeconómico, a hiperinflação, a degradação do PIB, a quase paralisação da rede comercial e dos serviços da indústria e agricultura. Por outro lado, a democratização da África do Sul com o fim do Apartheid e a ascensão de Nelson Mandela à presidéncia da República Sul Africana levaram a que a generalidade das sedes dos organismos da rede das Nações Unidas e demais organizações internacionais, tivessem passado para Pretória, em detrimento de Harare. Assim, a capital do Zimbabwe perde a importância que detinha desde a década de 80. Aliado a este facto, Harare perde igualmente as centenas de milhões de dólares que estas organizações movimentavam, bem como a perda de postos de trabalho de milhares de zimbabweanos da classe média urbana que irão engrossar o batalhão de desempregados. Em quarto lugar, como resultante do factor Crise, o surgimento de uma oposição urbana organizada a partir da convergência dos sindicatos, movimentos cívicos, organizações estudantis e organizações dos direitos humanos que se congregaram em movimento politico e que nas eleições de 2000 obtiveram um resultado histórico face à hegemonia habitual da ZANU-PF. Por outro lado, o apoio e aplauso expressos do Ocidente a esta mesma oposição provocam a radicalização dos discursos políticos e a adopção de uma série de medidas que em nada favorecem o clima politico e social. O governo do Zimbabwe cria mecanismos restritivos o mais amplos possíveis, começando com os pronunciamentos dos militares na esfera política, passando pelo controlo e silenciamento dos órgãos de comunicação social mais incómodos, de restrição de movimentos aos focos de oposição, o deslocamento forçado de pessoas, a criação de milícias e a afectação de altas patentes militares na Comissão Nacional de Eleições. Por fim, a tomada de uma série de medidas arbitrárias na área económica, contra todas as regras dos regimes liberais, bem como a tentativa de controlo do sistema judicial.

Se equacionarmos todas as questões arroladas, veremos que o que se passa no Zimbabwe, hoje, não é mais do que o culminar de um longo processo de conjugação de factores desagregadores que outro fim não teria senão o da crise de que a situação pós-eleitoral é mais uma evidência. Aliás, a desistência de Morgan Tsivangirai de concorrer à segunda volta , após a vitória apertada nas legislativas e mais ou menos folgada nas presidenciais, apesar do clima de intimidação anunciado, demonstra que a solução dos problemas do Zimbabwe tem contornos mais complexos que o do Quénia. Da mesma forma, o acordo de partilha do poder no Zimbabwe foi saudado, mas muita gente apresenta reservas quanto à eficácia do mesmo, se não forem enfrentadas as causas profundas da crise. De nada serve diabolizar Robert Mugabe como a face visível de todos quantos são responsáveis por terem levado o País ao abismo. Não duvido do sentimento nacionalista e patriótico dos protagonistas no terreno. É aqui que me parece que a Comunidade Internacional deve surgir, tentando contribuir com um discurso positivo, sugestões apropriadas, posição firme, tanto quanto os exemplos de boa governação em muitos Países da região possam dar autoridade moral e política para o efeito. Moçambique é um desses Países que pode ter uma palavra a dizer. Saído de uma Guerra civil sangrenta, na qual o Zimbabwe foi protagonista, apoiando o governo da Frelimo, assinou um acordo de paz há 16 anos e até hoje tem sabido gerir essa situação com mestria. Moçambique viveu em 1999 um conflito pós-eleitoral que chegou a ser dramático, na medida em que o partido oposicionista não reconhecia o Presidente eleito e exigia nomear governadores nas seis das dez províncias em que havia ganho as legislativas, introduzindo uma perigosa discussão sobre a estabilidade do regime unitário constitucionalmente consagrado. O grande tacto do Chefe de Estado, Joaquim Chissano, que chegou a aceitar negociar em situação claramente humilhante com o Chefe da Oposição que recusara deslocar-se ao palácio presidencial, para com ele se encontrar, permitiu encontrar saídas que concorreram para a consolidação da nossa democracia e estabilidade nacional. Às vezes, as soluções internas, discutidas cara a cara, levam a bons resultados. É o caso dos angolanos que conseguiram terminar um conflito armado que parecia interminável e traçar um calendário de consolidação das instituições antes da realização de eleições que recentemente se realizaram na maior tranquilidade. Por fim, o caso mais paradigmático de como um conflito interno de um partido pode simbolizar as ansiedades de todos os cidadãos. O ANC na África do Sul geriu o seu conflito interno fazendo com que as mudanças da liderança e as consequências de eventuais conflitos entre sensibilidades no Partido não se reflectisse de uma forma negativa na vida dos cidadãos sul-africanos.

Estas seriam em suma algumas ideias que me parecem poder dar um contributo para os debates que este encontro pretende realizar.

Muito obrigado pela vossa atenção,
Maputo, 22 de Setembro de 2008

1 comentário:

Anónimo disse...

obrigado me ajudou muito
passarei pra meu blog essas iformaões por um tempo pra trabalho escolar
um abraço