segunda-feira, setembro 29, 2008

O desporto e a Universidade

“O DESPORTO E A UNIVERSIDADE” foi apresentado no congresso promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa em Maputo, decorrido de 12 a 14 de Setembro de 2008.

por: Prof. Lourenço Rosário

Ao optar pela formulação que apresento no título, procurei acomodar o conceito que melhor poderia responder aos pressupostos que pretendo debater nesta breve comunicação. Para aqui chegar, passei por outras formulações que poderiam também ser merecedoras de abordagens. Assim, a questão do Desporto nas Universidades levar-nos-ia certamente a ilações de ordem estrutural, orgânica e académica muito interessantes, caso quiséssemos considerar que nos falta uma abordagem clara e sistémica sobre a presença do desporto no nosso sistema de educação, o superior incluído. Começando pela Lei do Ensino Superior, a mesma é omissa no que toca à incorporação no conceito infraestrutural dos estabelecimentos de ensino superior, a obrigatoriedade de espaço para a prática desportiva, da mesma forma que se exige laboratórios, outros equipamentos e apetrechos para o processo de ensino e aprendizagem. Do ponto de vista da mentalidade dos universitários, de um modo geral, o desporto não é com eles, é lá fora. Por outro lado, se quiséssemos pôr a questão na perspectiva conceptual de “a universidade no desporto” o problema é muito mais grave, pois a nossa universidade não está pura e simplesmente no desporto, isto é, nem faz parte do sistema, nem participa no movimento. Foram estas as razões que me levaram a preferir dissertar sobre o Desporto e a Universidade.

O conjunto de práticas que se convencionou designar desporto resulta da transformação daquelas outras práticas do homem na sua relação com a natureza em exercício situado no plano cultural, em que a actividade física no trabalho se transformou em metáfora desse mesmo trabalho. É essa metáfora que alimenta a alma e faz com que a mesma permaneça sã num corpo que se quer são. Por isso, uma sociedade de trabalho não pode sobreviver sem alimentar a alma com práticas que representam esse mesmo trabalho.

Todas as formas de trabalho, a agricultura, a caça, a pesca, a indústria, o comércio, etc., são logicamente representados no desporto e nas artes, porque o homem, colectivo e singular, gosta de filosofar sobre a sua própria vida, entre o real e a projecção do mal. Todos os actos culturais, o desporto incluído, são a projecção que o homem faz da própria realidade acumulada pela história e vivida no presente. O Desporto funcionou pois como o catalisador cultural das fundamentais actividades do homem na luta pela sobrevivência.

As sociedades organizadas procuram optimizar as suas experiências nos vários domínios, com vista a melhorar o desempenho poupando tempo. O estabelecimento de um sistema de educação nas sociedades, procura responder a essa necessidade de optimização das experiências vividas e também da necessidade de, num curto espaço de tempo, adquirir de uma forma melhorada as habilidades que levaram séculos a se consolidar. As teorias produzidas sobre os diversos campos do conhecimento são o reservatório necessário, devidamente sistematizado em áreas de especialização, transformadas em sistema educativo.

A universidade é o elo do topo do sistema educacional e como tal deveria acolher o universo dos conhecimentos que foram sendo transmitidos aos níveis mais baixos e sistematizá-los para devolvê-los à sociedade, contribuindo para melhorar as condições de vida das pessoas e do desenvolvimento.

Vicissitudes históricas, no nosso País, , lamentavelmente afastaram a nossa universidade de algumas das suas obrigações intrínsecas. E o desporto é uma delas.

O ensino superior em Moçambique teve o seu início no ano de 1962, com a introdução dos Estudos Gerais, mais tarde Universidade de Lourenço Marques. Foi o Eng. Veiga Simão quem instalou o ensino superior no nosso País. O seu espírito reformador, que mais tarde se fez sentir enquanto Ministro da Educação em Portugal, influenciou a dinâmica de que se revestiu a entrada da Educação Superior em Moçambique, pese embora a questão de exclusão própria do regime colonial não tivesse deixado que a maioria dos cidadãos negros moçambicanos tivessem tido acesso ao mesmo. A Universidade de Lourenço Marques foi estruturada seguindo de perto o modelo da Universidade de Coimbra. Lá, como cá, o desporto, bem como outras áreas culturais, nomeadamente o teatro, o orfeon académico, o teatro e o canto faziam parte das actividades universitárias. A Associação Académica de Moçambique era uma agremiação forte, com diversas iniciativas extracurriculares, de que o desporto era o sector mais significativo em algumas modalidades, nomeadamente o futebol, o basktebol, o hóquei, o handebol, entre outras modalidades colectivas e singulares.

Com o agudizar da crise colonial e a cada vez maior politização das actividades da Associação Académica, o desporto foi cedendo lugar a actividades de leitura, reflexão e debate da situação política do País, tendo o teatro ganho maior expressão.

Com a Independência Nacional em 1975, a dinâmica revolucionária potenciou as artes lúdicas e literárias, incluindo a obrigatoriedade da educação física nas faculdades, perdendo a prática desportiva paulatinamente o espaço, acabando por definhar. Com este facto, perdeu-se a memória do quanto o desporto fora importante na universidade no nosso País. Assim, com a autorização de criação de novas universidade que têm vindo a aparecer, a questão do desporto tem sido mantida fora dos seus planos e objectivos.

Existe, neste momento, em Moçambique, a Federação de Desportos do Ensino Médio e Superior, com pouca visibilidade, mas que tem tentado remar contra a maré no que toca ao desporto no ensino superior. O máximo que tem conseguido é continuar a constar no plano do Ministério da Educação e Cultura. Assim, a par dos Jogos Escolares, que têm sido realizados de dois em dois anos, a FEEDEMS tem conseguido, de forma irregular, levar a cabo os jogos do Ensino Médio e Superior. O evento desportivo de maior vulto realizado por esta federação, com o apoio da Universidade Eduardo Mondlane, foram os jogos universitários da SADC, realizados em Maputo em 2000. Com esses jogos pareceu que a Universidade Eduardo Mondlane iria retomar a tradição da sua antecessora, foi dessa altura a criação da Direcção da Cultura e Desporto, daquela Universidade.

A hesitação entre a ausência total do desporto universitário ou da presença do desporto de carácter recreativo e massificado ou mesmo a participação da universidade no desporto federado de alta competição tem marcado o compasso da dinâmica de alguns dirigentes universitários mais ou menos sensíveis à matéria do Desporto. Enquanto que algumas universidades eliminaram mesmo os seus recintos desportivos, transformando-os em salas de aulas para responder à pressão da demanda cada vez maior de ingressos no ensino superior surgidas recentemente, muitas outras não prevêem sequer um recinto desportivo nas suas infraestruturas educativas. E o vazio legal o permite.

Neste momento, apenas duas universidades apresentam um trabalho mais ou menos coerente e estruturado no que toca ao desporto. A Universidade Eduardo Mondlane, a maior instituição de ensino superior do país e com as melhores infraestruturas, tem procurado, através da sua Direcção de Cultura e Desportos, movimentar os seus estudantes em algumas modalidades, promovendo torneios internos e participando em competições internacionais de carácter universitário. Lamentavelmente, a Académica sobreviveu como clube, mas dissociou-se da Associação de estudantes da UEM, por isso, a participação da Académica, na alta competição, não leva a bênção da universidade que a criou. Por outro lado, a Universidade Politécnica, uma instituição muito jovem, com apenas 14 anos de existência, a primeira instituição privada de ensino superior no país, tem vindo a desenvolver, desde o início da sua criação, actividades sistemáticas na área da cultura e do desporto recreativo através do seu Departamento de Recreação Cultura e Desportos (DRCD), em articulação com a Associação de Estudantes da Universidade. Em 2005, a Universidade Politécnica fundou o Clube de Desportos da Politécnica, através do qual programou a sua participação na alta competição e a abertura de uma escola de formação de atletas. Tendo elegido as modalidades de basketbol e atletismo como pioneiras, esta universidade já tem a hegemonia no basket nacional, tendo as suas equipas femininas de seniores e juniores se sagrado campeãs nacionais. A equipa sénior feminina é, pela segunda vez consecutiva, campeã universitária de África, tendo por isso já participado nas Universíadas Mundiais de Bangkok em 2007 e vai participar em 2009, em Belgrado, nas próximas Universíadas Mundiais.

Esta experiência tem demonstrado que é possível as universidades abraçarem a causa do desporto, quer a nível recreativo, quer mesmo a nível de alta competição. As escolas do Clube da Politécnica movimentam mais de 100 crianças dos 9 aos 14 anos, que procuram ganhar espaço depois nas equipas de alta competição. Este clube já tem fornecido a outros clubes federados, atletas que não ingressam nas suas equipas.

Contudo, a questão do financiamento do desporto nas universidades é um tema que deve merecer um debate apropriado. As universidades, sobretudo as privadas, quando alocam substanciais verbas à causa desportiva, sobretudo às escolas e ao recreativo, estão a desenvolver actividades de natureza pública. Cabe ao Governo estudar formas de acolher estas iniciativas como coadjutores das actividades que seriam também desenvolvidas pelos poderes públicos. Por outro lado, a criação de equipas competitivas nos clubes, incluindo as universitárias, permite que as federações disponham de atletas de qualidade para formar as selecções nacionais cujas vitórias prestigiam o País.

Deste modo, a terminar, o meu apelo vai mais para dentro, para os meus colegas Reitores, para que o Desporto Universitário seja um ponto da nossa agenda e que, no futuro, o Desporto e a Universidade não andem tão distantes um do outro.

Muito obrigado!

Reflectir Zimbabwe

“REFLECTIR ZIMBABWE” foi apresentado numa conferência internacional promovida pela TEIA (Fórum Nacional das Organizações não Governamentais Moçambicanas), decorrida em Maputo, de 22 a 24 de Setembro de 2008.

por: Prof. Lourenço Rosário

Tem ocorrido ultimamente, quer na comunicação social, quer em conversas informais, que os impasses que ocorreram, após os pleitos eleitorais, no Quénia e no Zimbabwe, estão a introduzir soluções de todo desaconselháveis para o panorama político africano. Dizem os críticos que a solução de partilha do poder entre aquele que estava no poder e que com mais ou menos evidência perdeu, mas que não aceitou sair, usando de artimanhas, consegue chamar a lei para o seu lado, face a uma oposição que ganha legitimidade através do número de votos conquistados, tudo isso está a introduzir em África uma gestão democrática sui generis, de tal forma que perigosamente se está a legitimar a continuação de governantes desgastados e partidos politicos históricos sim, mas completamente desacreditados . Dizem ainda os críticos que a continuar assim, nova era de ditaduras vai instalar-se e que tal cenário faz lembrar uma situação de golpe de estado palaciano, que se seguiu à praga de golpes de Estado militares nas primeiras décadas das independências africanas, bem como aquela outra praga de guerras civis.

Não é esta a minha visão. A semelhança das soluções entre o Quénia e o Zimbabwe é apenas na forma, visto que na essência, os protoganistas da crise política no Quénia foram actores dentro do sistema que ajudaram a construir e agudizar as contradições que herdaram dos britânicos Ondinga e Kibaki: foram convergentes até certo ponto , tendo se desavindo num determinado momento, capitalizando, Ondinga, a vontade daqueles que se consideravam excluídos. No Zimbabwe, a crise vem detrás. O pleito eleitoral terá sido o rastilho que se queria para fazer explodir o que há muito vinha sendo incubado. Do ponto de vista simbólico, no Quénia , Ondinga e Kibaki foram protagonistas activos que, como dois irmãos que se desentendem mum certo nomento, foram ao encontro de uma situação de exclusão historicamente conhecida para uma conflitualidade latente. O relatório do Mecanismo Africano de Revisão de Pares, apresentado pelo Quénia junto da UA em 2004, fazia referência aos riscos que poderiam levar a conflitos naquele País. Muitos dirigentes e académicos quenianos tentaram prevenir aquilo que parecia eminente, a violência. Do meu ponto de vista, o caso do Quénia é efectivamente uma crise pós-eleitoral porque frustou a expectativa de mudança de milhões de quenianos que se sentiam historicamente excluídos no que toca à distribuição da riqueza e de privilégios de que o País dispunha. Contrariamente, no Zimbabwe, a crise não é pós-eleitoral e nem as causas profundas da crise resultam da luta política dos protagonistas. Morgan Tsivangirai não tem um passado de protagonismo político perante Mugabe quanto Ondinga tinha perante Kibaki. Até porque os processos eleitorais no Zimbawe aconteceram sempre em ambiente de conflito, desde que este País passou a adoptar o sistema eleitoral para legitimar os seus dirigentes. A eleição de Abel Muzorewa para Primeiro Ministro da Rodésia-Zimbabwe, acto organizado por Ian Smith, ocorrido na segunda metade da década de 70, foi realizado em plena Guerra de libertação, por isso em ambiente de violência. Mas a assinatura do acordo de Lencaster House que abriu as portas para a independência do País, não eliminou a violência nos actos eleitorais que aconteceram desde a primeira eleição no Zimbabwe, independente em 1980. Perante este persistente ciclo de violência, necessário se torna ir buscar as causas do conflito para além dos momentos eleitorais.

Assim, tenho para mim, que compulsadas todas as eventuais questões que poderiam constituir os factores da crise na história do Zimbabwe, em primeiro lugar eu colocaria a questão da terra. Na altura da independência, 5.000 grandes propriedades agrícolas ocupavam uma área de 15,5 milhões de hectares, sendo que todas essas propriedades estavam em poder de brancos. Este processo foi implantado neste País com a fixação dos colonos. A ocupação das melhores terras por colonos brancos consolidou-se com o beneplácito da British South Africa Company, de Cecil Rhodes, na Mashonalândia e até à promulgação da Land Aportionment Act, na década de 20 do século passado, o governo colonial expulsou os camponeses negros para zonas em que a terra era menos fértil, numa proporção em média de 20 ha para 3.000 ha entre negros e brancos.

A questão da terra foi um dos pontos controversos nas conversações de Lencaster House. A ZANU e a ZAPU tinham transmitido às populações, durante a Guerra de Libertação, que a razão de base da luta era libertar a terra e devolvê-la ao povo negro. Assim, considerando que à mesa das conversações as duas questões fundamentais em agenda eram, primeiro, como parar a Guerra, e em segundo, como resolver a questão da terra, está visto que a forma de parar a Guerra teve um desfecho rápido porque a todos interessava pará-la. Mas a questão da terra não só se arrastou nas próprias conversações, como também se arrastou ao longo do tempo, tendo sido gerida de uma forma catastrófica, quer por parte da Grã-Bretanha como também por parte do governo de Robert Mugabe. De Lencaster House veio um compromisso de que a reforma agrária no Zimbabwe seria feita através da compra de terra aos brancos para ser redistribuída pelos negros. E o dinheiro também para esta operação seria disponibilizado pelos britânicos. Estes mostraram-se furtivos desde o início. Por outro lado, a Commercial Farms Union, corporação dos farmeiros brancos, havia aconselhado os seus associados a não venderem as suas terras ao governo. Assim, Robert Mugabe ficou refém do processo e da sua inevitável morosidade. De 1980 a 1989, por exemplo, o programa de reforma da terra havia redistribuído dois milhoes de hectares a apenas 52.000 famílias das 162.000 previstas. E no início da década de 2000, 4.500 farmeiros brancos dominavam ainda as propriedades agrícolas, bem como outros sectores chave como o turismo, a exploração florestal, a gro-indústria e as exportações. Presumo que será neste contexto que devemos enquadrar a questão da terra como um factor latente e de permanente conflitualidade no Zimbabwe. Quando em 2000 Robert Mugabe lança a campanha de ocupação coerciva das terras, não foi mais do que tornar visíveis os contornos de um conflito que tinha raízes históricas e que explodia numa fase difícil para a história do próprio País. As sanções impostas pelas potências ocidentais serviram de combustível para incendiar ainda mais o País e tornar os seus dirigentes cada vez mais radicais. Em segundo lugar , consideremos que também constitui factor de conflitualidade as sequelas que emergiram do processo que vai do fim da Luta de Libertação à montagem da estrutura governativa, adoptando o modelo democrático ocidental. A equipa de Robert Mugabe vai ocupar um espaço deixado por Ian Smith que governou a Rodésia com padrões autoritários e belicistas. A eclosão da Guerra civil, logo após a independência, põe a nu a tendência belicista e hegemónica das estruturas da ZANU-PF. São evidências claras, a morte de mais de duas dezenas de milhares de zimbabweanos na Matabelelândia e a absorção da ZAPU pela ZANU. Não faltou quem, após este desfecho , não clamasse pela adopção de um regime de partido único, para melhor desenvolver o País. Em terceiro lugar, considero como sendo um grande factor de conflitualidade,a congregação de vários acontecimentos, entre os quais a recessão económica que se iniciou na década de 90 e se acentuou nos finais da mesma e que se transforma em quase colapso nos anos 2000, trazendo como consequência o desemprego generalizado, a extrema escassez de bens alimentares, a debilitação no consumo de energia na indústria, nos serviços e na vida doméstica, a deterioração do clima macroeconómico, a hiperinflação, a degradação do PIB, a quase paralisação da rede comercial e dos serviços da indústria e agricultura. Por outro lado, a democratização da África do Sul com o fim do Apartheid e a ascensão de Nelson Mandela à presidéncia da República Sul Africana levaram a que a generalidade das sedes dos organismos da rede das Nações Unidas e demais organizações internacionais, tivessem passado para Pretória, em detrimento de Harare. Assim, a capital do Zimbabwe perde a importância que detinha desde a década de 80. Aliado a este facto, Harare perde igualmente as centenas de milhões de dólares que estas organizações movimentavam, bem como a perda de postos de trabalho de milhares de zimbabweanos da classe média urbana que irão engrossar o batalhão de desempregados. Em quarto lugar, como resultante do factor Crise, o surgimento de uma oposição urbana organizada a partir da convergência dos sindicatos, movimentos cívicos, organizações estudantis e organizações dos direitos humanos que se congregaram em movimento politico e que nas eleições de 2000 obtiveram um resultado histórico face à hegemonia habitual da ZANU-PF. Por outro lado, o apoio e aplauso expressos do Ocidente a esta mesma oposição provocam a radicalização dos discursos políticos e a adopção de uma série de medidas que em nada favorecem o clima politico e social. O governo do Zimbabwe cria mecanismos restritivos o mais amplos possíveis, começando com os pronunciamentos dos militares na esfera política, passando pelo controlo e silenciamento dos órgãos de comunicação social mais incómodos, de restrição de movimentos aos focos de oposição, o deslocamento forçado de pessoas, a criação de milícias e a afectação de altas patentes militares na Comissão Nacional de Eleições. Por fim, a tomada de uma série de medidas arbitrárias na área económica, contra todas as regras dos regimes liberais, bem como a tentativa de controlo do sistema judicial.

Se equacionarmos todas as questões arroladas, veremos que o que se passa no Zimbabwe, hoje, não é mais do que o culminar de um longo processo de conjugação de factores desagregadores que outro fim não teria senão o da crise de que a situação pós-eleitoral é mais uma evidência. Aliás, a desistência de Morgan Tsivangirai de concorrer à segunda volta , após a vitória apertada nas legislativas e mais ou menos folgada nas presidenciais, apesar do clima de intimidação anunciado, demonstra que a solução dos problemas do Zimbabwe tem contornos mais complexos que o do Quénia. Da mesma forma, o acordo de partilha do poder no Zimbabwe foi saudado, mas muita gente apresenta reservas quanto à eficácia do mesmo, se não forem enfrentadas as causas profundas da crise. De nada serve diabolizar Robert Mugabe como a face visível de todos quantos são responsáveis por terem levado o País ao abismo. Não duvido do sentimento nacionalista e patriótico dos protagonistas no terreno. É aqui que me parece que a Comunidade Internacional deve surgir, tentando contribuir com um discurso positivo, sugestões apropriadas, posição firme, tanto quanto os exemplos de boa governação em muitos Países da região possam dar autoridade moral e política para o efeito. Moçambique é um desses Países que pode ter uma palavra a dizer. Saído de uma Guerra civil sangrenta, na qual o Zimbabwe foi protagonista, apoiando o governo da Frelimo, assinou um acordo de paz há 16 anos e até hoje tem sabido gerir essa situação com mestria. Moçambique viveu em 1999 um conflito pós-eleitoral que chegou a ser dramático, na medida em que o partido oposicionista não reconhecia o Presidente eleito e exigia nomear governadores nas seis das dez províncias em que havia ganho as legislativas, introduzindo uma perigosa discussão sobre a estabilidade do regime unitário constitucionalmente consagrado. O grande tacto do Chefe de Estado, Joaquim Chissano, que chegou a aceitar negociar em situação claramente humilhante com o Chefe da Oposição que recusara deslocar-se ao palácio presidencial, para com ele se encontrar, permitiu encontrar saídas que concorreram para a consolidação da nossa democracia e estabilidade nacional. Às vezes, as soluções internas, discutidas cara a cara, levam a bons resultados. É o caso dos angolanos que conseguiram terminar um conflito armado que parecia interminável e traçar um calendário de consolidação das instituições antes da realização de eleições que recentemente se realizaram na maior tranquilidade. Por fim, o caso mais paradigmático de como um conflito interno de um partido pode simbolizar as ansiedades de todos os cidadãos. O ANC na África do Sul geriu o seu conflito interno fazendo com que as mudanças da liderança e as consequências de eventuais conflitos entre sensibilidades no Partido não se reflectisse de uma forma negativa na vida dos cidadãos sul-africanos.

Estas seriam em suma algumas ideias que me parecem poder dar um contributo para os debates que este encontro pretende realizar.

Muito obrigado pela vossa atenção,
Maputo, 22 de Setembro de 2008